Por
definição, urodinâmica é
o estudo dos fatores fisiológicos e patológicos
envolvidos no armazenamento, transporte e esvaziamento
do trato urinário inferior (bexiga e uretra).
Essas funções traduzem a continência
urinária que, no conceito da Sociedade Internacional
de Continência, é a "capacidade
da paciente de escolher o momento e o local adequados
para urinar". Os diversos tipos de incontinência
urinária são, em última análise,
uma falha deste funcionamento.
A
finalidade do estudo urodinâmico é detectar
as possíveis alterações funcionais
que possam estar gerando os sintomas urinários
ou a incontinência.
Convém
lembrar que a urodinâmica, a despeito de ser
um método cada vez mais empregado na investigação
das incontinências, é um exame complementar,
cujo resultado deve ser analisado e valorizado no
conjunto de vários outros dados (clínicos
e/ou laboratoriais), em cada caso, para se ter o diagnóstico
final e escolher o melhor tratamento.
Como
é feito o exame ?
Atualmente utilizam-se equipamentos computadorizados
com as vantagens de proporcionar maior conforto para
a paciente, menos tempo para realização
do exame e maior precisão nos resultados. No
laboratório do CEPEM a Urogin utiliza o equipamento
MXP 816, fabricado por Dynamed, conectado a computador
. O tempo estimado entre a entrada da paciente no
laboratório, até a sua saída,
com o laudo do exame impresso (incluindo gráficos),
é de 30 a 40 minutos.
O
estudo urodinâmico compreende uma série
de exames:
1-
urofluxometria
2
- cistometria
3
- estudo miccional ou relação fluxo/pressão
4
- perfil uretral
5
- eletromiografia
Para
a maioria dos casos de incontinência urinária
os três primeiros são os mais empregados
e suficientes para o diagnóstico, por isso
nos deteremos apenas neles.
Urofluxometria
Estuda
a relação entre o volume urinado e
o tempo. É etapa não invasiva (sem
colocação de sondas) e a paciente
utiliza, para urinar, uma cadeira acoplada ao urofluxômetro,
que fornecerá várias medidas do fluxo
urinário ( tempo de fluxo, tempo até
o máximo, pico de fluxo máximo, fluxo
médio e volume urinado). Imediatamente após
a urofluxometria realizamos cateterismo vesical
para medida do resíduo urinário e
dar continuidade ao exame com a cistometria.
Cistometria
É
considerada a parte mais importante do exame e estuda
a relação entre o volume e a pressão
da bexiga, avaliando a fase de enchimento vesical.
Para sua realização são utilizadas
duas sondas plásticas vesicais (6 a 8 Fr),
para infusão de soro e medida da pressão
intravesical, e uma sonda semelhante, com balão
de látex na extremidade, introduzida no reto,
para medida da pressão intra-abdominal. É
importante salientar que as sondas utilizadas são
as mesmas que se usam em salas de parto para aspiração
de vias aéreas de recém-natos (delicadas)
e introduzidas com gel anestésico, tornando
o preparo para o exame, indolor. A sonda retal e
uma das vesicais são conectadas a transdutores
que transmitirão as pressões para
registro em computador. Inicia-se o enchimento da
bexiga para dar continuidade ao exame.
Durante o enchimento vesical são observados
e anotados diversos parâmetros que serão
mencionados no laudo.
É necessário examinador atento, que
conheça as queixas da paciente, acompanhe
de perto o desenrolar do exame e solicite, constantemente,
informações a respeito da percepção
do enchimento vesical, ou de sintomas que possam
surgir consoantes a alterações do
traçado percebidas na tela do computador.
Essa interpretação é indispensável
para a boa qualidade do exame.
É possível, por exemplo, que contrações
do detrusor, ainda que de pequena amplitude no gráfico,
provoquem sintomas bastante exacerbados, representando
problema clínico importante.
Estudo miccional ou relação fluxo/pressão
Completado o enchimento vesical, a paciente volta
à cadeira de fluxometria para, novamente,
esvaziar a bexiga. Esta etapa avalia o fluxo urinário
em conjunto com as pressões vesical e abdominal,
e tem por finalidade estudar a fase de esvaziamento
vesical, analisando, simultaneamente, a atividade
do músculo detrusor e o fluxo urinário.
Os
laudos da avaliação urodinâmica
O
laudo emitido deve ser capaz de transmitir tudo que
se passou durante o exame, e conter uma conclusão
diagnóstica. Para isso nos valemos da impressão
dos gráficos desenhados pelo computador, e
de descrição sucinta, mas que contenha
todos os dados que levaram ao diagnóstico final.
Inicia-se
a parte descritiva analisando o aspecto da curva obtida
na urofluxometria inicial e mencionando o volume do
resíduo urinário encontrado.
No
tocante à cistometria, são especificados:
Cateteres
usados;
Velocidade
de enchimento vesical ( normalmente até
100ml/min);
Posição
da paciente (ortostática, sentada, deitada);
Volume
do primeiro desejo miccional;
Capacidade
e complacência vesicais;
Presença
ou não de contrações involuntárias
do detrusor; características das bexigas
hiperativas;
Ocorrência
ou não de perda de urina aos esforços;
Pressão
de Perda aos Esforços (PPE), que é
a pressão necessária para provocar
a perda de urina quando ela ocorre. Pressões
de perda inferiores a 60 cm H2O denotam deficiência
esfincteriana intrínseca ou Tipo III (Blaivas).
No
estudo miccional confronta-se a atividade do detrusor
com o fluxo obtido. Menciona-se eventual participação
da prensa abdominal.
A
fim de ilustrar e facilitar o entendimento, apresentamos
em seguida, gráficos comentados dos principais
achados urodinâmicos.
Gráficos
dos principais achados urodinâmicos
Gráfico
I - Urofluxometria
O gráfico de urofluxometria contém duas
curvas: a curva vermelha representa o volume urinado
por unidade de tempo (ml/s) e seus valores são
aferidos pela coluna numérica da esquerda. É
limitada por dois traços verticais que marcam
o início e o fim da micção. Um
terceiro traço vertical, central, marca o pico
de fluxo máximo (maior fluxo alcançado
durante a micção). Cada ponto dessa curva
indica o volume urinado naquele segundo; a curva azul
dá o volume total da micção, cujo
valor é aferido pela coluna numérica à
direita do gráfico. Seu valor mais alto representa
o volume total urinado, que no caso foi 300 ml.
Note-se
que, independente dos valores numéricos encontrarem-se
dentro de limites considerados normais, o desenho da
curva vermelha, lembrando um "sino", sugere
que não há distúrbio miccional.
O achado de resíduo urinário ausente ou
baixo, reforça essa impressão.
Gráfico
II - Urofluxometria
O fluxo urinário mostra-se prolongado, com vários
picos e intermitente. Nesses casos considera-se o tempo
de fluxo incluindo as interrupções. Os
valores dos parâmetros estão diminuídos
e a curva não apresenta o perfil característico
de "sino". Pode haver distúrbio miccional,
mas não obrigatoriamente. O constrangimento para
urinar em ambiente estranho, a ansiedade com o exame
ou pequeno volume de urina na bexiga podem originar
curvas assim.
Gráfico
III - Cistometria
No desenho superior do gráfico está a
pressão vesical - pV (linha preta), medida pela
sonda vesical; no desenho inferior estão a pressão
abdominal - pA (linha azul), medida pela sonda retal,
e a pressão do detrusor -pD (linha vermelha),
cujo valor é calculado pelo computador efetuando
a seguinte operação: pD = pV - pA.
Na
cistometria do gráfico III destacam-se três
picos simultâneos das pressões vesical
e abdominal, decorrentes de manobra de esforço
(tosse), para detectar perda aos esforços e/ou
provocar contrações do detrusor. As outras
variações menores podem decorrer de movimentação
da paciente, conversa com o examinador, etc (qualquer
fator que aumente a pressão abdominal). Note-se,
entretanto, que a pressão do detrusor (linha
vermelha) mantém-se inalterada, demonstrando
que não há contrações do
detrusor. A pressão vesical muito pouco mudou
desde o início até o fim do enchimento
(350 ml), demonstrando capacidade e complacência
vesicais normais. Não foi observada perda de
urina aos esforços de tosse, mesmo com 300 ml
infundidos, com pressão que atingiu níveis
de 150 cm H2O (3º pico). Trata-se, portanto, de
cistometria normal.
Gráfico
IV - Cistometria
Neste caso observamos várias elevações
simultâneas das pressões vesical e do detrusor,
mantendo-se inalterada a pressão abdominal. Logo,
houve contrações do detrusor (elevações
da linha vermelha) caracterizando bexiga hiperativa.
Observe que as contrações surgem já
no início do exame e permanecem durante todo
o enchimento. Com pouco mais de 200 ml infundidos a
paciente não mais suportou continuar o enchimento
- capacidade vesical diminuída; a pressão
vesical pouco se alterou durante o exame, apesar da
capacidade diminuída - complacência normal.
Gráfico V - Pressão
de perda
Trata-se da ampliação de um trecho da
cistometria, no momento em que se constatou perda de
urina aos esforços de tosse, com 300 ml infundidos.
Em seguida solicitou-se que a paciente fizesse a manobra
de Valsalva para provocar aumento lento e progressivo
da pressão vesical, permitindo medir a pressão
necessária para provocar a perda de urina (pressão
de perda ao esforço -PPE). Neste caso a perda
ocorreu com níveis pressóricos próximos
de 120 cm H2O, caracterizando incontinência
de esforço sem comprometimento intrínseco
da uretra (PPE> 60 cm H2O).
Gráfico
VI - Pressão de perda
Neste caso, com 200 ml infundidos, a manobra de Valsalva
provocou a perda de urina com pressão de 41 cm
H2O, denotando comprometimento do componente intrínseco
da uretra (PPE< 60cm H2O), caracterizando a DEI
ou incontinência tipo III (Blaivas).
Quem
deve se submeter à avaliação urodinâmica
?
Na
investigação da incontinência urinária
o exame está indicado para:
1
- pacientes que tenham vários sintomas urinários
associados, como urgência, urge-incontinência,
nictúria, perda aos esforços, etc.
2
- pacientes já submetidas a tratamento (clínico
ou cirúrgico) para incontinência urinária,
sem resultados satisfatórios;
3
- incontinências urinárias recidivadas;
4
- pacientes com antecedentes de cirurgias ginecológicas
ou para tratamento de neoplasias malignas da pelve;
5
- pacientes submetidas à radioterapia.
Recomendamos
a realização do estudo urodinâmico
em todas as pacientes para as quais esteja programado
tratamento cirúrgico para cura de incontinência
urinária.
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